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O cenário é familiar, mas desordenado: uma mesa antiga onde repousam 2 mil pequenas peças. A tampa da caixa do jogo revela o painel a ser montado. No centro, a Torre Eiffel rodeada de prédios e um campo verde à frente. O céu, apresentando tons que vão do laranja até o amarelo avermelhado, mostra ser a parte mais complexa do trabalho. Abaixo, um letreiro oculta parte da imagem que deveria orientar a montagem.
O jogo estava intacto, guardado e esquecido dentro de um armário por muito tempo, sendo resgatado no início do confinamento. Para o local da montagem, optou-se pela antiga mesa da sala, herança de família e local dos almoços especiais. Afinal, demoraria muito tempo para ela voltar a cumprir essa finalidade.
Espalhadas as peças, constatou-se a dificuldade que se apresentava, eis que experiência no jogo de quebra-cabeça resumia-se àqueles infantis, compartilhados com o neto. Mas o desafio foi lançado e a moldura da figura foi formada com certa facilidade. Encaixes perfeitos que passaram a orientar a busca diária da peça certa. A passagem do tempo passou a ser ignorada, bem como o noticiário noturno, os filmes e a rede social. Até o horário da refeição muitas vezes foi esquecido.
Como pesquisadores frente a um problema científico lançado, a família confinada uniu-se num só objetivo. Em volta do jogo cada um se detém em uma parte da figura. Cada encaixe é comemorado e cada avanço celebrado. Às vezes, é necessário retroceder. Uma peça mal ajustada é identificada como aquela que está faltando em outra parte. A gravura, que deveria servir de orientação, pouco ajuda. Talvez propositalmente, para que o desafio seja ainda maior.
Essa tarefa remete àquela que a ciência vêm cumprindo: a necessária união na busca dos encaixes perfeitos das diversas pesquisas pela cura do mal que nos aprisionou. São tentativas com erros, acertos e avanços comemorados, mas que às vezes apresentam retrocessos, fazendo com que a paciência e a serenidade sejam a tônica dos trabalhos. Cientistas do mundo inteiro, com o único intuito de salvar vidas, unem-se como uma família numa luta contra o tempo.
Um "quebra-cabeças" apresenta um grande benefício: quando o painel se faz completo, a dopamina, "hormônio da felicidade", é liberada, gerando uma sensação de otimismo e bem-estar nos jogadores. Que esse sentimento seja brevemente sentido por todos, quando finalmente for anunciada a vitória da ciência contra o vírus.
Na mesa, a Torre Eiffel já ganha forma. Já está presa nas molduras do painel pelas peças que se ajustaram perfeitamente. Falta muito ainda, mas avança dia a dia. Momentos felizes em tempos difíceis, unindo duas gerações até pouco tempo com interesses tão distintos.
Um dia essa pandemia será apenas uma lembrança e meu neto contará aos seus próprios filhos essa triste história. Dirá que, durante o isolamento, sobre uma velha mesa de madeira, seus avós e seu tio construíram a Torre Eiffel, enquanto pesquisadores das mais diferentes nações salvavam a humanidade.